O amor de um Deus que age concretamente na existência humana
Prosseguem as meditações do cardeal Gianfranco Ravasi nos exercícios espirituais do papa
Por Salvatore Cernuzio
ROMA, 21 de Fevereiro de 2013 - O cardeal Gianfranco Ravasi vem conduzindo uma "peregrinação" em busca da face de Deus em suas meditações durante os exercícios espirituais de quaresma, com a presença do papa e da cúria romana.
Nesta segunda-feira, as reflexões abordaram a revelação divina através da Palavra, da criação e da liturgia, que permite o encontro entre Deus e o homem na encruzilhada entre a dimensão vertical e a horizontal. "Se olharmos bem para a nossa liturgia, vemos um olhar constantemente fixo no alto, na transcendência de Deus e de Cristo, na sua Palavra, mas também nos irmãos".
É na liturgia que o Pai Eterno se torna presente para o homem, como uma “tenda do encontro” e como “santuário sagrado”. Mas Deus também se revela na história, disse o cardeal na quinta meditação. Não é só no espaço que o Criador encontra a criatura: também o tempo é "lugar" privilegiado da teofania.
É o que proclamam os Salmos, nas passagens que tratam de um Deus que age concretamente na história de um povo, o povo de Israel, libertado da escravidão no Egito pela mão divina. Uma história que o cardeal chama de “credo histórico de Israel” e que contém uma verdade evidente: a fé está ligada aos fatos.
"A história é e deve ser sempre o nosso lugar dileto de encontro com nosso Senhor, nosso Deus. Mesmo que seja um lugar de escândalos, uma terra em que muitas vezes deparamos com o silêncio de Deus e com a apostasia dos homens", disse Ravasi.
A ação de Deus se revela na sequência dos eventos, sejam os marcados pela alegria, sejam os perpassados de sofrimento, conforme nos demonstra o “evento por excelência”: a encarnação. É preciso recordar também que a história humana não é só uma trama sem sentido, mas um desígnio feito pelo próprio Deus, de acordo com um plano ditado pela esperança, a "irmã caçula" da fé e da caridade.
"A esperança nos dá a certeza de não estarmos à mercê de um destino imponderável. Nosso Deus se define, em Êxodo, 3, com o pronome da primeira pessoa, Eu, e com o verbo fundamental: Eu sou. Ele é Pessoa que age, que vive no interior dos eventos. A nossa relação com Deus, portanto, é uma relação de confiança, de diálogo e de contato".
Deus é um pastor, um guia e companheiro de viagem amoroso, que protege o seu povo-rebanho de todo pesadelo natural e histórico. "Celebramos a fidelidade de Deus apesar da infidelidade humana", disse o cardeal. A proximidade amorosa de Deus no sofrimento do deserto, assim como o êxodo, a libertação da escravidão e a criação em si, são todos gestos que mostram o cuidado que Deus tem pela humanidade.
Eles culminam no sinal mais profundo do amor divino: Jesus Cristo, o Messias, que é "justo, sacerdote e filho de Deus". Estas três características foram o foco da sexta meditação. À luz dos Salmos 72, 110 e 2, elas revelam alguns aspectos da figura messiânica.
Se os profetas "apontavam o dedo contra os abusos de poder e contra a resignação às injustiças", disse Ravasi, “o Messias vem ensinar um tipo diferente de justiça: ser o último dos últimos, o defensor dos indefesos, o pobre entre os pobres”.
"Paulo deu a melhor definição dessa justiça, situada no nível das vítimas da injustiça. No famoso hino de Filipenses, 2, ele diz: Mesmo na condição de Deus, ele não considerou um privilégio ser como Deus, mas esvaziou-se de si mesmo, tomando a forma de servo e se tornando semelhante aos homens".
O Messias faz brilhar a justiça para os últimos. Ele é o pai dos pobres e o defensor das viúvas (Salmo 68). É Ele que, “sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para vos tornardes ricos com a sua pobreza” (2Cor 8,9). O sacerdócio de Cristo é um sacerdócio "de graça", que atinge o seu cume na ressurreição, ato de amor com que o Filho de Deus revela plenamente a sua divindade. É preciso "contemplar a figura de Cristo, o Messias que tem em si todo o sopro do Antigo Testamento e o leva à plenitude".
Finalmente, na última reflexão de ontem, o cardeal voltou ao tema da teofania, que, depois da palavra, do espaço, da liturgia e do tempo, se manifesta na criatura. Recordando a passagem do Gênesis que diz que “Deus criou o homem à sua imagem”, Ravasi perguntou: "O que é a imagem de Deus?". "Homem e mulher os criou", observou ainda. Isto leva a outra pergunta: "A imagem de Deus que está em nós seria talvez a bipolaridade sexual? Deus é sexuado?".
O significado é bastante simples, considera o cardeal: "Quando um homem e uma mulher se amam e geram, eles continuam a criação. Eles são a imagem do Criador". E, como o Criador, geram a criatura, o embrião no ventre materno, um pequeno ponto de partida de uma vida sobre a qual já se projeta a grandeza do olhar divino.
"Deus vê, naquela mínima criatura, toda a sua história, toda a sequência dos seus dias que virão; ele já vê os esplendores e misérias daquela criatura". Desde "esse início absoluto", a criatura humana está "sempre sob o olhar de Deus, que se estende ao longo de todo o itinerário da sua existência".
Ela é "um lugar onde interceptamos a presença de Deus". Para nós, cristãos, ela tende a se tornar "objeto de atenção contínua, de paixão, de amor", até porque o homem “tem um mandado divino a preservar, um trabalho a fazer nesta terra: representar o seu Supremo Soberano”.


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