2. Os atos principais da
magnanimidade
Temos falado que a magnanimidade é “flor de todas as
virtudes” enquanto atua sobre todas coroando-as com atos heróicos. Tem no
entanto dois atos que lhe são próprios, um negativo e outro positivo.
1) O menosprezo do mundo e de
todo o pequeno
O ato negativo da magnanimidade se da com relação ao que ela faz
desprezar. Magnanimidade significa aspiração as coisas grandes,
conseqüentemente, implica o menosprezo das pequenas aspirações que desgastam a
alma em empresas sem envergaduras.
No antigo paganismo o magnânimo era caracterizado como o homem que esta
em cima das vicistudes do mundo, de suas agitações e seus vai e vem, é o que
não desanima ante as adversidades nem aspira o premio puramente humano. O
magnânimo despreza o reconhecimento do mundo porque é ante tudo consciente da
desproporção entre a virtude que ele pratica e o premio que o mundo oferece;
não se pode premiar a virtude quanto se merece. Por outra parte o mundo é
incapaz de reconhecer a mesma virtude e por isso geralmente a persegue em vez
de premia-la. Santo Tomas diz do magnânimo: “Não se engrie pelos grandes
honras, pois não crer superiores a si senão que melhor o despreza, e muito mais
o mesquinho e medíocre. No entanto não se desalenta pela desonra senão que o
despreza como injusto”(26). E Dom Quixote reprova a Sancho Pança “Sois um mal
cristão, Sancho, porque nunca esquece uma injuria que lhe fizeram, pois sabes
que é nobre e generoso não fazer caso as tonteiras”(27).
Daqui que o magnânimo se caracteriza de sua capacidade para o
sacrifício e para a renuncia das coisas do mundo antes que abandonar a virtude,
por esquecer as afrentas, pela facilidade do perdão e para fazer o bem a quem o
tem feito mal.
Sócrates é um dos grandes exemplos do paganismo desprezando inclusive a
própria vida antes que cometer uma injustiça. “O timonel, dizia São Basílio se
reconhece na tempestade, o atleta no estádio, o general na batalha e o
magnânimo na desgraça”(28). O exemplo bíblico por exelencia se reconhece no
antigo testamento, é Jô que proclama em meio a sua adversidade: Deus deu e Deus tirou bendito seja Deus! (Jô
1,21); no Novo testamento é Jesus Cristo na serenidade de sua paixão e na
serenidade ante os vitupérios. Mas Jesus
não lhe deu resposta (Jô 19,9).
2) A magnanimidade como impulso
e conquista
A magnanimidade é uma virtude eminentemente ativa. É
desejo impulso, extensão até o grande. Por isso seu sujeito é o apetite
irascível, o apetite de conquista, de superação e de luta. Na idade media
magnanimidade era sinônimo de valentia e era virtude própria de um guerreiro,
do cruzado, do cavaleiro, algo semelhante vemos na antiguidade helênica,
germânica e românica. Aristóteles faz referencia a isso quando a considera “paixão”
pelo grande. É a virtude que olha sempre longe, que amplia os horizontes, como
diz o herói espanhol:
“Por necessidade trabalho
e uma vez que sento em minha cadeira
E vai estendendo Castilla
Diante de meu cavalo!...
Vete de minha terra, Cid.
Cavaleiro mau provado
E não voltas a minha terras
Desde esta hora em um ano.
Placeme, disse meu bom Cid,
Placeme disse de grado
Por ser a primeira coisa
Que mandas em teu reinado;
Por um ano me desterra
Eu me desterro por quatro.”
Cervantes, sobre Quixote, tem algumas afirmações que expressam com
beleza o que queremos dizer. Por exemplo, quando seu herói diz que “os grandes
feitos para os grandes homens estão guardados”(29). Quando descreve as virtudes
do cavalheiro dizendo com certo humor: “A cavalaria andante é uma ciência que
encerra em si todas as más ciências do mundo, a causa que ele professa há de
ser jurisperito, e saber leis da justiça distributiva e comutativa, para dar a
cada um o que é seu e o que lhe convém; tem que ser teólogo para saber dar razão
da fé cristã que professa, clara e distintamente; aonde quer que pedires; há de
ser medico..., e haverá de saber matemática...,
e terá que estar adornado de todas as virtudes teologais e cardeais,
dizendo a outras coisas pequenas, digo que tem de saber nadar..., tem que saber
colocar as ferraduras em um cavalo e saber e arrumar a sela e o freio, e há de
guardar a sua fé a Deus e a sua dama; tem que ser castos nos pensamentos,
honesto nas palavras, liberal nas obras, valente nos atos sofrido nos trabalhos,
caritativo com os indigentes e finalmente manter a verdade, ainda que lhe custe
a vida para defende-la”(30). Também pela boca do “Cavalheiro do verde Gában”,
Miguel de Cervantes disse: “Eu, senhor e cavalheiro da triste figura... algumas
vezes com meus amigos e vizinhos, e muitas vezes os convido, são meus convites
limpos e não são escassos, nem gosto de murmurar, nem consinto que diante de
mim murmurem, não examino as vinhas alheias, nem sou perspicaz dos atos dos
outros, vou a Missa todo dia, reparto o meu bem com os pobres, sem fazer alarme
das boas obras para não dar entrada em meu coração a hipocresia e a vangloria
inimigos que aos poucos se apoderam dos corações mas recatado; procuro por em
paz os que sei que estão brigados, sou devoto de Nossa Senhora e confio sempre
na misericórdia infinita de Deus Nosso Senhor”(31).
Esse aspecto da magnanimidade se manifesta no fato de que quem possui
esta virtude não só aspira as coisas grandes senão que as leva efetivamente a
cabo; quer dizer, termina o que começa
apensar das dificuldades(32). Santa Tereza falando da firmeza que se
deve ter no caminho da oração escreve a suas freiras: “Toma meu conselho não
fiqueis no caminho, senão briga com força até morrer na demanda, pois não
estais aqui para outra coisa senão para brigar. E deve ir sempre com esta
determinação antes morrer que deixa de chegar a esta fonte, se o Senhor vos
leva sem que tenha chegado a ela nesta vida, na outra vos dará com toda a
abundancia”(33)
O fundador dos missionários da Consolata, Beato José Alamano
classificava três grupos de perfeição nas pessoas religiosas em um texto
magnífico que não pode deixar de transcrever. “O primeiro grupo é os dos que
fazem uma grande idéia da perfeição, conhecem sua necessidade, tem muitos
desejos de alcança-la mas param por aqui e não aplicam os meios que conduzem a
ela. Mas uma coisa é saber e outra é praticar; uma coisa é conhecer a
necessidade da perfeição e outra é tratar de alcança-la, uma coisa é o desejo
outra coisa é o ato. É verdade que Santa Tereza nos exorta a ter grandes
desejos, mas aqui se trata de desejos eficazes, acompanhados com as obras. O
inferno esta cheio de desejos efímeros e de propósitos de converter-se
depois... Em certas comunidades se vêem sempre indivíduos que estão sempre no mesmo
grau de virtude, ou melhor de falta de virtude, desde que ingressam na vida
religiosa até o fim de sua vida. Tinham desejos de perfeição quando
ingressaram, quando entraram no noviciado, quando professaram... e seguem sendo
igual que antes, com os mesmos defeitos de soberba, pereza, falta de
mortificação. Certamente não são nunca de exemplo para a comunidade, que os
suportam e não o choram quando saem ou quando morrem. Passam sua vida sem
aproveitar as inumeráveis graças que a acompanham e no final se encontram com
as mãos vazias e com uma terrível rendição de contas para fazer. São como as
figueiras secas que fala o Evangelho, ou como a terra que não produz frutos
depois dos orvalhos e das chuvas. Feliz a comunidade que sabe desprender-se a
tempo destes! E tais como sabem como sabem aproveitar de todos os cuidados
vivem mais tempo que os demais em detrimento da disciplina e da paz religiosa.
Esta é desgraçadamente a historia de algum mosteiro... Deus queira que isso
nunca aconteça a nosso instituto! O segundo grupo formam os que não se
contentam com os simples desejo fazem algo dão passo no caminho da perfeição
mas não mas além. Tratam de aperfeiçoar-se a seu modo, tratando de fazer pacto
com o Senhor não são generosos em responder os chamados divinos, não sacrificam
certas inclinações, não são indiferentes nos cargos, não se desprendem da
inclinação aos familiares, estão atados a pequenas comodidades, não tem valor
de provar os efeitos da pobreza. Jesus não aceita estas meias medidas, não quer estas reservas e se retira deles.
Por isso, não gozam de verdadeira paz nesta vida e acumulam muito material para
o purgatório. Desgraçadamente suele ter destas pessoas nas comunidades.
O terceiro grupo o formam os que não recusam meios algum para fazer-se
santos, não admitem dilatação, lutam sem descanso. Santo Inácio diz destes:
‘Com animo grande e generoso no serviço de Deus, põem toda sua inteligência e
esforço’. Se sacrificam em tudo especialmente em sua boa vontade. Assim se
fazem santos! E não é tão difícil repito
que basta dar com valentia o primeiro passo. Diz São Roberto Belarmino,
referindo a estes três grupos, que os primeiros são enfermos que não querem
tomar remédios; o segundo só aceitam remédios doces e saborosos; o terceiro não
rejeitam nada que seja amargo com tal que se curem. Meu pensamento se dirige
ate vosso provenir, e digo: todos pertencem ao terceiro grupo? Ou passaram
alguns ao segundo e ao primeiro grupo? É questão de vontade firme e
decidida”(34).
A magnanimidade como animo de tender a santidade, é essencial a Igreja
que deve cumprir o mandato da suprema conquista: Ide e pregai o Evangelho a
toda criatura (Mc 16,15).
Pemám tem expressado do melhor modo ao por na boca de Francisco Xavier
e Inácio este magnífico dialogo:
“Xavier
Tu me queres longe de tudo?
Pede-me que deixe fazenda e estado?
Pede-me demais...
Inácio
E te ofereço muito mais!
Tu que buscas fama gloria e honra.
Queres ficar pequeno
quando te venho oferecer
a melhor fama, honra e gloria?
Não busques fama e honra
em brasões e coroas,
nem é isto que ambicionas,
nem é o que te chama.
Quando o aplauso te aclama,
já pensas que esta chegando
ao teu mais alto destino.
Não vês que teu destino é divino
e que assim estas ficando
na metade do caminho?!”

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