CEGOU
SEUS OLHOS
3. Consequências de seguir o juízo
próprio
Em vários lugares descreve
Santo Inácio algumas das conseqüências mais gerais que leva ao juízo próprio: a
obediência deixa de ser como corresponde, se perde a perseverança no obedecer,
se perde o amor e a alegria, a prontidão, e a presteza, a simplicidade, a
humildade, a fortaleza nas coisas difíceis, gera infelicidade, pena, tardança,
fraqueza, murmurações, desculpas, etc. Eis aqui o texto: “Se não tem obediência
de juízo, é impossível que a obediência de vontade e a execução seja como
convém. Porque as forças apetitivas em nossa alma seguem naturalmente as
apreensivas; e assim será coisa violenta obedecer com a vontade, a largar,
contra o próprio juízo; e quando obedecesse alguém por algum tempo, por aquela
apreensão geral, que é necessário obedecer ainda no que não foi bem mandado, ao
menos não é coisa para durar; e assim se perde a perseverança, e se não se
perde esta, ao menos a perfeição da obediência, que esta em obedecer com amor e
alegria; que quem vai contra o que sente, não pode durante tal repugnância
obedecer amorosamente e alegremente. Perde-se a prontidão e a presteza, que não
existirá, onde não há juízo cheio, antes duvida se é bem, ou não, fazer o que
se manda. Perde-se a simplicidade, tão
louvada, da obediência cega, disputando se lhe manda bem ou mal, e por ventura
condenando ao superior, porque lhe manda o que não esta no seu gosto. Perde-se a humildade, preferindo por uma
parte, ainda que se sujeita por outra, ao superior. Perde-se a fortaleza em
coisas difíceis, por abreviar, todas as perfeições desta virtude. E pelo contrario, terá ao obedecer se o juízo
não se sujeita, descontentamento, pena, tardança, frouxidão, murmurações,
desculpas, e outras imperfeições e grandes inconvenientes, que tiram o valor e
mérito da obediência”[1].
Muitas
vezes escraviza como acontece com os escrúpulos, no entanto
“chamam vulgarmente escrúpulos, o que procede de nosso próprio juízo e
liberdade”[2].
Por isso escreve Santo Inácio ao padre Valentim Marín: “acredite que se tivesse
verdadeiramente humildade e submissão, não lhe darão tanto trabalho os
escrúpulos; o fomento deles é alguma soberba, e dar mais credito ao juízo
próprio, e menos ao dos outros, que seria necessário”[3].
Ademais
disto, o juízo próprio produz engano, como o mesmo Santo Inácio o
descreve ao padre Antonio Soldevila, que era muito de créditos próprios: “Razão
seria que quem se tem enganado tantas vezes por seus próprios juízos, viesse a acreditar
e praticar aquele ditado do sábio Salomão: Não te
fies em tua própria inteligência (Prov.3,5)”[4].
E
ademais de tudo isto, deixar-se levar pelo juízo próprio nos faz precipitarmos
no pecado como diz São João de Ávila: “Quantas vezes tem ocorrido, que por
aparecer-nos a uma janela, se cai em pecado, porque aparece por seguir vosso
parecer; quanto as outras em outros pecados por regê-los por vossa cabeça;
quantas vezes têm chorado por dar a Deus o que tanto desejavas, e te parecia
que cumpria, e que estava bem e que com ele teria descanso!”[5]. E
em uma carta: Se não conheces o bem que é o não reger-te por teu parecer e que
não se faça o que tu queres, Deus castiga em dar-lhe o que a ti te parece que
esta bem, e pensaras que é misericórdia, e será castigo”[6].
[1] Santo Inácio, Carta aos
Jesuítas de Portugal, 3, p.856.
[2] Santo Inácio, EE, n.346.
[3] Santo Inácio, Carta ao P.
Valentim Marin, p. 1005.
[4] Santo Inácio, Carta ao P.
Antonio Soldevila, p.995.
[5] São João de Ávila, Sermão
78, OC, II, 1217, 352-358.
[6] São João de Ávila, Carta
135, OC, I, 740, 34-41.
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