Coleção virtus


CEGOU SEUS OLHOS



2. Necessidade de combater o juízo próprio
 
Santo Inácio fala do “caminho incerto e perigoso do juízo próprio”[1].

São João de Ávila exigia muito empenho de purificar o apego ao juízo próprio em qualquer variante que se apresentasse; assim escrevia em sua regra de espírito: “Esforçasse muito em Cristo... em negar-se a si mesmos, não só na sensualidade, mas em vontade e principalmente o entendimento; porque este é o derramasolaces (=aguafiestas), inimigo da paz, juiz de seus superiores, pai das oposições, inimigo da obediência, ídolo colocado no lugar santo de Deus.  Outra e outra vez lhes recomendo que o derrubem e reine Deus por fé e nele, com muita confiança, que o que seus superiores lhes manda é a vontade do Senhor”.[2]

O mesmo santo insistia que com o nosso próprio saber, por mais que sejamos outro Aristóteles, não alcançaremos conhecer a sabedoria e o espírito de Deus, no entanto, não neguemos nosso saber e razão e tenhamo-nos por ignorantes em tudo [3].  Em outro lugar: “as experiências que temos visto, todas à uma boca nos encomendam que não encostemos a nossa prudência, mas que inclinemos nossa orelha ao conselho alheio”[4].

Neste campo é muito o que se julga “o que ainda que seja perigosa a soberba e inobediência da vontade, que é o não querer obedecer à vontade alheia, muito mais perigosa é a soberba do entendimento que é acreditando em seu parecer, não sujeita-se ao alheio. Porque o soberbo na vontade alguma vez obedecerá, pois tem por melhor o parecer alheio, mas quem tem em si que seu parecer é o melhor, quem o curará? E como obedecerá ao que não tem por tão bom?” [5].

Por isso o livro dos Provérbios manda por a confiança não na própria inteligência, senão na instrução divina: Confia no Senhor com todo o seu coração, não te fies em tua própria inteligência; em todos os teus caminhos reconhece-o, e ele endireitará tuas veredas.  Não sejas sábio a teus olhos, teme ao Senhor e evita o mal. (Prov.3,5-7)

Que mais necessidade tem de combater o juízo próprio, ou ao menos de estar atentos, são os que se dedicam a trabalhos intelectuais: “esta é, disse São João de Ávila, uma das grandes guerras e mais dificultosas de vencer que tem os que têm estudado e estão acostumados a raciocinar e disputar”[6].  E especialmente quando o próprio juízo quer por tropeços na fé. Como escreve o mesmo Santo a uma mulher com duvidas de fé: “Senhora não se curará de seu juízo próprio senão em viva fé; não pesquise senão de olhos fechados confie em Deus... Convém ao homem tornar-se cego e mais que cego em seguir a Deus; que tornar-se nécio por seguir ao que tudo sabe. A sabedoria dos santos consiste em negar seu parecer e sua vontade e seguir de olhos fechados a Nosso Senhor” [7].


[1] Santo Inácio, Carta AL P. Andrés Iseren, p 788.
[2] São João de Ávila, Regra do espírito, obras completas (em diante: OC),1, p.1056; uso a edição em dois tornos.
[3] Cf. São João de Ávila, Sermão 78, OC, II, p. 1215; carta 12, OC, I, p. 346.
[4] São João de Ávila, Audi filia, c.54 (esta obra a citou só por capitulo, pois há numerosas edições).
[5] São João de Ávila, Audi filia, c.54.
[6] São João de Ávila, Sermão 78, OC,II, 1215, 242-258.
[7] São João de Ávila, Carta 102, OC, I, 680, 99-110.

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