5.
A meditação das Sagradas
Escrituras
Meditação das Sagradas Escrituras é o que também podemos chamar
“estudo sapiential”. Se entende como uma leitura ou estudo sensível das
Sagradas Escrituras, que pode consistir em ler tratando de entender cada
expressão, de tirar todo o fruto que se possa, todas as aplicações pessoais a
própria vida. As vezes alguém pode servir-se dos comentários de outros autores,
especialmente dos Santos Padres ou de outros teólogos reconhecidos pela Igreja.
Se entende que a
meditação se amputa a uma compreensão espiritual das Sagradas Escrituras. Eu a distingo
da “lectio divina” enquanto esta não se detém tanto nas palavras ou versículos
particulares senão que se apoia mais em textos mais ou menos largos e ademais
se faz sempre em um ambiente de oração, no entanto penso que a meditação pode
fazer-se “a cavalo” entre a oração e o estudo bíblico.
A meditação tem como
fim “novas luzes e sentidos ocultos e mistérios”, Santa Terezinha do Menino
Jesus dizia: “O que me sustenta durante a oração, por cima de tudo e o
Evangelho. Nele encontro tudo o que necessita minha pobre alma. Nele encontro
continuamente novas luzes e sentidos ocultos e misteriosos”(29). E acrescenta:
“Jesus me guia momento a momento e me inspira o que devo dizer ou fazer. Justo
nos momentos em que mais necessito, descubro luzes nas que ate então não tinha
fixado”. E na carta ao P. Roulland chega a escrever: “As vezes quando leio
certos tratados espirituais no que a perfeição se apresenta rodeada de mil
esboços e mil travas e rodeada de uma multidão de ilusões, meu pobre espírito
se cansa muito rápido, fecho o douto livro que me quebra a cabeça e me disseca
o coração e tomo em minhas mãos a Sagrada Escritura. Então tudo me parece
luminoso, uma só palavra abre em minha alma horizontes infinitos, a perfeição
me parece fácil: vejo que basta reconhecer o próprio nada e abandonar-se como um
menino nos braços de Deus”(30).
A meditação da Bíblia
pode fazer-se de muitas maneiras, pois há diversos métodos de meditação segundo
seja seus autores (Santo Inácio, São João de Ávila, Santa Tereza, etc.). Para
meditar os textos sagrados uma pessoa também pode servir-se, na busca dos
“sentidos bíblicos” cuja tradição se remonta nos séculos IV, e que foi
sintetizado, ao parecer, por Agostinho de Dacia (ate 1286), naquele díptico
Littera gesta docet, qui credas allegoria, Moralis quid agas, quo
tendas anagogias.
A letra ensina os atos o que deve crer, a alegoria, o sentido
moral do que deves fazer, e aonde tender a analogia.
Propriamente falando se trata somente de dois sentidos: o literal
e o espiritual, mas este ultimo se divide em três, dando assim quatro sentidos.
O sentido histórico ou
literal sentido estrito e objetivo das palavras: o que as palavras dão a
entender de forma literal. É o fundamento de toda a interpretação e os demais
sentidos poderão considerar-se validos na medida que se opõem a estes e não o
contradizem, de outro modo cairíamos no silogismo arbitrário (31).
Mas a Sagrada escritura por ter como autor o mesmo Deus, que não
só se serve de palavras, como os poetas, senão também pode acomodar feitos e
acontecimentos para manifestar seus mistérios, tem também um sentido mais
profundo, que é chamado, de espiritual. E este é triple:
O primeiro se denomina
sentido alegórico, e é aquele pelo qual as realidades do Antigo Testamento, são
figuras do Novo, é o sentido da historia de Israel, pelo qual todo o povo de
Israel foi profético e figurativo do que seria a vida de Cristo. Diz o
catecismo: “O Novo Testamento tem que ler-se a luz do Antigo Testamento. A
catequese dos primeiros cristãos começava em forma permanente do Antigo Testamento.
Como expressava um antigo ditado, o novo Testamento esta oculto no Antigo
Testamento e este se revela no Novo”(32). Assim, por exemplo, ao passar pelo
mar vermelho significa a vitoria de Cristo e o batismo, o cordeiro pascal o
sacrifício da Cruz, etc.
Logo temos o sentido analógico, pelo qual as realidades do Novo Testamento são
figuras das realidades futuras, assim, por exemplo, a Igreja na terra é sinal
da Jerusalém Celeste.
E, finalmente, o sentido moral ou topológico, pelo qual
os atos de Cristo, são modelos e figuras do que nos cristãos devemos obrar,
como expressa em São Paulo: “Tudo isso lhes acontecia em figura, e foi escrito
para aviso dos que tem chegado a plenitude dos tempos” (1Cor 10,11).
A busca destes sentidos
na oração, pode fazer dela uma meditação frutífera que não se pode chegar a experiências
semelhantes a do Beato Manuel Gonzalez desde seu desterro no Gibraltar: “Com a
contemplação do evangelho me acontece algo do que acontece com a contemplação
do mar. O mar e o Evangelho contemplados em conjunto me confundem, com sua
grandeza meu pensamento fica suspenso e paralisados os sentidos. O mar faz aos
poetas dizerem muitas coisas, para mim faz emudecer... Quantas tardes e quantas
manhãs destes meus dias de desterro da pátria sinto que este aplanamento ante
esta imensidade de água azul e brumosa do estreito de Gibraltar! Mas o que me
oculta a massa me sugere o pormenor... A figura caprichosa que forma uma rocha
besada o lamida pela onda que vai e vem, o brinquedo das águas com a lancha de
pesca que sobe e desce com um gigantesco columpio, os matices e diversos
brilhos e cores que aparece na superfície da água, as nuvens do céu, os
penhascos que oculta, e as distintas direções dos ventos, como se entretém em e
falam e sugerem comparações estes e outros inumeráveis pormenores do mar! Algo
disto, dizia, me acontece com o mar de luz, de santidade e de beleza que se
chama Evangelho, o conjunto me fecha
os lábios, me achica e quase anonada, o pormenor me eleva e dispõem a
contemplar sem maré e sem perplexidade os tesouros e maravilhas que ali se
encerra”(33).
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