6.
A “lectio divina”
A
lectio divina ou lectio sacra aparece muito na literatura patrística dos
séculos IV e V(34). São Jerônimo diz, por exemplo: “que a alma se alimenta
cotidianamente na divina leitura” (mens quotidie divina lectione pascatur), e
Santo Ambrosio falando de um cristão disse que “esta dirigido ao alimento da
divina leitura” (divinae pabulo lectionis intentus). Alcuino, dizia: “como a
luz alegra os olhos, assim a leitura sagrada alegra o coração” (sicut lux
laetificat oculos, ita lectio corda).
Os
monges a converteram em uma fonte principal de oração.
O
termo lectio não pode traduzir-se a
sua tradução literal de “leitura”, no entanto nos vemos obrigados a usar esta expressão,
na realidade é pequena. Tão pouco corresponde ao “estudo”, se se entende isto como atividade cientifica ou cultural,
da que já temos falado antes. Poderia enquadrar ele melhor em “meditação”
sempre quando não se confunda com a meditação sistemática tal como se pratica
especialmente a partir de Santo Inácio de Loiola, ou como já temos referido no
ponto anterior. Em muitos se aproxima a contemplação adquirida que descrevem os
autores espirituais.
Em
quanto a expressão divina, indica duas coisas: que tem por objeto a palavra de
Deus, e que é uma leitura feita na intimidade do dialogo entre o homem e Deus.
Tendo
em conta estas coisas, Louis Bouyer a definiu como “uma leitura pessoal da
palavra de Deus mediante o qual nos esforçamos em assimilar sua substancia, na
presença atual de Deus que nos fala no texto sagrado, no entanto, nos
esforçamos para nos mesmos estarmos presente, no espírito de obediência e de completa entrega tanto nas promessas como
nas exigências divinas”(35).
A
convicção fundamental de fé que guia este modo de aproximar-se das Sagradas
Escrituras, é expressada, entre outro, por Adalgero: “quando oramos nós falamos
com Deus, quando lemos (lectio) Deus fala com nós”(36). Também São Jerônimo
dizia: “oras falas com o Esposo, lês Ele fala para ti”(37). Isto implica:
a)
Que se tem um
sentido vivíssimo da transcendência da Palavra divina: é “carta vinda do céu”,
ante o qual toda linguagem humana empalidece. Se a qualifica como pagina divina, sacra pagina, perennis
pagina, etc. Se diz que nos permite “beber a fonte do conhecimento de
Deus”, que é um “beijo de eternidade” que é um prelúdio da contemplação do céu.
b)
A convicção de que a Bíblia é um livro
atualmente vivo e operante. Baixo as
formas desta presença misteriosa de Deus que me interpela. Escutando suas
palavras “é como se visse sua própria boca”(38). Portanto Deus inspira sempre o
que a lê com fé. A palavra “é fecundada milagrosamente pelo Espírito” que
continua animando-a com o seu sopro e assegura sua perene juventude. Não só transmite
uma mensagem uma doutrina, senão que no entanto é uma presença, é alguém (daqui
que consideramos um modo de contemplação). É um ato em que Deus me busca se
revela a mim e exige que me comprometa com Ele.
Daqui que se diz que a leitura das Sagradas Escrituras tem uma eficácia salvífica nela se “bebe a
salvação”(39).
Mas ainda, as palavras de
Deus se fazem palavras nossas. Por isso na historia de uma alma, Santa
Terezinha transcreve palavras que disse Jesus no Evangelho de São João mas
aplicando-as ela mesma
São aquelas: “Pai este é meu
desejo, que o que me confiastes esteja comigo e que o mundo saiba que somente
Tu o tem amado como me tens amado”. E acrescenta: “Sim Senhor isto é o que eu
quisera repetir contigo antes de voar a teus braços”. Mas imediatamente se
pergunta se não esta exagerando ao dirigir ao Pai com seus próprios lábios, o
que foi dito na realidade por Jesus Cristo, e reflexiona com estas preciosas
palavras: “Seria talvez uma temeridade
Não, não. Já tem muito tempo que Tu me tens permitido ser audaz contigo.
Como o pai do filho prodigo, quando fala com o filho maior, Tu me dissestes:
‘tudo o que é meu, é teu’. Portanto, Tuas palavras são minhas, e eu posso
servir-me delas para trazer sobre as almas que estão unidas a mim as graças do
Pai Celestial”(40). Tuas palavras são minhas! Esta é a melhor explicação deste
atual valor e operante que deve ter para nós a palavra de Deus.
c)
Que há uma visão
unitária: toda a Bíblia converge em Cristo: “Toda a Escritura Divina é um só
livro, e este único livro é Cristo”, diz Hugo de São Victor(41). Por isso ler a
Escritura é ir em busca de Cristo. Neste sentido para Orígenes, Santo Ambrosio
ou São Bernardo a exegese (por exemplo, o cântico dos cânticos) não é uma
técnica, senão uma mística. É falar a Jesus: “Apenas tem começado a recorrer o
códice e já tens encontrado a quem amas”, dizia o eremitano Guillaume Firmat.
Como
se realiza. Os passos característicos de uma lectio divina frutuosa são:
a)
Ante tudo é
necessário preparar a “leitura” por meio da asceses. Como na parábola do
semeador, a semente não dará seu fruto se não cai no terreno fértil. Por isso,
para que essa leitura dê frutos deve ser preparada por meio de um trabalho que
desemboque
na
“pureza do coração” (puritas cordis); isto é na ausencia de todo afeto das
criaturas que distraem o amor de Deus e do sentido de sua presença. E total
liberdade em ordem de uma dedicação total a Deus. Só a quem tem alcançado, Deus
se revela plenamente. Dizia São Bernardo: “A verdade não se mostra nos impuros”(42).
A pureza se faz clara e transparente aos olhos contemplativos. Portanto,
deve-se ler as Sagradas Escrituras com animo de converter-se e deve querer
converter-se para poder entender as Sagradas Escrituras.
b) Ademais, posto que o objetivo é um conhecimento vital,
é necessário que a leitura se situe em um clima de oração. Há que “orar para
entender” (as Escrituras), diz Santo Agostinho(43). A oração a sua vez exige um
sossegado esforço de recolhimento: não é possível colocar-se “em religiosa escuta”
se não é um clima de silencio e de calma interior que faça confluir na escuta
todas as energias do ser.
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